É triste, porém revelador de como funciona um abuso sexual na família. Em anos de psicologia, ouvi vários relatos destes, em famílias de classe média. O silêncio da família protege a “maçã podre”.
Sistemicamente, todos na sua lealdade infantil, se calam. O segredo segue. A violência também segue protegida pelo silêncio de todos. Talvez o abusador pare com o tempo, mas outros virão, nem ele foi o primeiro. Há uma violência contida que, vez ou outra, eclode para ser vista e integrada. O dano pede para ser compensado.
O agressor ao ser descoberto, muitas vezes, pede perdão, alega que não sabia por que fazia aquilo, mas não quer perder nada do que já conquistou na vida: casamento, filhos, status social. Já a vítima, sofre transtornos psicológicos por toda vida.
Até que um agressor seja visto e possa ficar com o que é dele, haverá outras vítimas. Isso é um senso de justiça natural. Não uma vingança. A família não foi destruída quando ocorre uma denúncia. A família acordou neste momento. Ainda que desqualifiquem a vítima ou até mesmo insinuem que ela provocou. Aquela família não poderá mais enfiar a cabeça na terra. Nem a sociedade.
Nem se trata de dizer: morte aos estupradores! Mas sim ver, compreender, reparar! Para nunca mais repetir.
Não sabemos de onde isso vem, mas sabemos que existe há séculos. Hoje há leis. Há ajuda.
Uma atuação sistêmica na Justiça ou com advogados, não é confrontar vítima e perpetrador, isso só retraumatiza a vítima. Mas permitir que a compensação de danos seja realizada para que a ordem volte a fluir naquela família. Grupos sistêmicos podem ajudar muito nestes casos, pois não julgam, apenas auxiliam o agressor e a vítima, cada qual num grupo, nunca juntos, para que possam ver de quem repetem a história. Assim podem deixar o peso do passado no passado. Isso alivia o sofrimento deles no presente e, ambos, a partir de então, podem fazer algo bom em suas vidas, mudando o futuro desta família. Nenhum deles, jamais será o mesmo. Mas há dignidade na verdade, não no segredo. O segredo perpetua a violência.
Os segredos do passado distante não devem ser revirados, mas cada vez que uma vítima fale, que um agressor compense o dano, o que ocorreu no passado acaba de morrer, agora em paz.
Isso não significa que o agressor não tenha que cumprir tudo que a lei lhe impuser.
Isso não significa que a vítima tenha que perdoá-lo. Apenas que algo ocorre no coração dela, ela entrega o passado ao passado e pode seguir no presente rumo a um futuro mais leve.
Em dinâmicas sistêmicas, nunca se fala de perdão, nem de culpa. Estes termos são de cunho religioso ou jurídico. Na abordagem das constelações: olhamos, assentimos e seguimos. Cada qual no seu destino.
(Silvana Garcia)