Traição é tão somente isso: ceder a um impulso mais fácil, momentâneo e agradável sem medir consequências? É um comportamento infantil?
Aquele que tem um pouco mais de consciência, se coloca no lugar do outro, sente o peso na consciência e, às vezes, até deseja ser traído também para não se sentir tão culpado. Como se ao ver o outro no seu mesmo padrão, se tornasse inocente ou menos culpado.
Aquele que tem menos consciência ainda, coloca a culpa no parceiro, justificando pelos defeitos do outro, a quem devia ser leal, a culpa de sua traição.
A traição não tem a ver com o quanto se ama alguém a ponto de não traí-lo. A questão é que o traidor não ama a si mesmo.
Como assim?
A pessoa que trai se coloca em situações perigosas, precisa mentir o tempo todo, precisa esconder senhas, celular, cheiros, etc. Parece uma criança fazendo arte, cheia de adrenalina. Busca aventuras perigosas. Corre o risco de perder quem está consigo. Pode não se sentir merecedor de ter alguém. Pode estar insatisfeito com muitas coisas e não ter coragem de romper. Pode estar acomodado por vários interesses numa relação que não é tão satisfatória assim. E é infeliz. Assim trai. Trai a si mesmo. Não se valoriza. Não tem coragem ou força para mudar, renunciar, recomeçar sua vida. Acha uma muleta: o amante.
Além de não resolver sua vida, complica a de outras duas pessoas. Elas também, por sua vez, não estão nesta por acaso.
Aquele que é traído se coloca na situação de ser a vítima. Talvez muito crédulo, acomodado na relação, medroso demais para desconfiar de algo e ter que agir. “Atrai” alguém desleal porque deveria ser mais leal consigo mesmo. Está se enganando ao se deixar enganar.
Aquele que se coloca no lugar de amante é outra criança buscando adrenalina. Na real, está buscando um amor proibido, como um adolescente rebelde e carente. Pode estar simplesmente querendo se sentir superior ao “adversário” que projeta no companheiro da pessoa com que está ficando. Afinal, ele sabe da existência do outro, está numa situação privilegiada em relação a alguém que é enganado. Sente-se melhor que aquele. Talvez seu foco seja o marido da amante inconscientemente, não ela.
O mesmo vale para uma mulher que sai com um homem comprometido. O que ela busca nele? Se sentir superior a mulher dele?
Quando se tem relação com alguém que dorme todo dia com outra pessoa, necessariamente está se relacionando também energeticamente com aquele que é enganado. E está em uma situação de vantagem porque sabe mais do outro. Será que não tem um certo grau de psicopatia nisso? Querer estar acima, querer o que é do outro.
Certa vez, perguntei a uma mulher que tinha um amante se ficaria com ele, que também era casado, caso ambos se separassem dos cônjuges. Ela respondeu: “Claro que não, ele engana a mulher dele! Não é confiável para casar.”
Será que buscam exatamente ficar com alguém porque ela é de outra pessoa? A esposa de outro homem? O esposo de outra mulher?
Às vezes, a menina tem ciúmes do amor do pai pela mãe e o garoto do amor da mãe pelo pai, então quando crescem vão buscar pessoas casadas para satisfazer suas frustrações infantis. Projetam nestes amantes figuras parentais.
Enfim, todos envolvidos numa traição têm muito o que olhar para si. Resolver seus conflitos. Desenvolver virtudes como a lealdade, a empatia e o respeito por si e pelo outro.
E o dito bíblico do: “devemos perdoar 70 vezes 7?”
Esquece…
Tem gente que faz de tudo para não descobrir que é traído, se esconde num casamento infeliz.
Tem gente que só se aguenta num casamento traindo.
Tem gente que só fica com pessoas comprometidas para nunca serem cobradas, afinal errado e culpado é o outro, não ele.
Não tem perdão para gente que não quer crescer, assumir a responsabilidade de suas escolhas ou renúncias.
Perdão a pessoa pode dar somente a si mesma. Ninguém é melhor que o outro para perdoar. Cada qual tem suas “vantagens” de permanecer num triângulo ou quarteto de mentirosos. Nenhum se ama e se perdoa o suficiente para sair fora desta cirandinha de interesses.
(Silvana Garcia)