Ouvi dizer que agora tem um padre que oferece um terço sistêmico. Cada conta do rosário é para um ancestral?
Mahikari, Osatoshi, Seicho no ie, espiritismo são práticas semelhantes no sentido que buscam dar um lugar aos mortos, respeitá-los, encaminhá-los.
A ideia das constelações iniciou com Bert Hellinger quando era um missionário entre os zulus, na África. Ali era um trabalho de xamanismo. Depois ele estudou muitos métodos terapêuticos até aprimorar as constelações familiares. Nome este que foi mudando ao longo de seus estudos e prática. No final, parecia que ele tinha se voltado cada vez mais ao xamanismo original, tanto que se aproximou no México de Tata Cachora, um xamã, escrevendo um belíssimo livro “Plenitude”, sobre este aprendizado.
Ao final, nomeava seu trabalho de Constelações espirituais. Mas que não se confunda as palavras: espiritual não no significado de espíritos, mas do Espírito. É um sentido filosófico.
Tal como Tkaynã, o pajé das tribos Kariri-Xocó Fulni-ô nos tem ensinado no curso Missão das plantas. E estamos vendo isso constantemente nas constelações aqui: onde termina o ancestral e começa o descendente? Onde termina nossa mãe ou nosso pai e começamos nós? É um fluxo constante, é uma sequência.
Quando ampliamos ainda mais o olhar a centenas de anos atrás, quanto evoluímos ou ainda repetimos remotos comportamentos?
Para mim, constelação é um despedir-se do passado. Fazer diferente no presente porque agora sabemos o que deu errado e o que ainda nos falta fazer.
As pessoas confundem. Pensam que ver, honrar ou orar para o ancestral já é o suficiente. Não. É apenas o primeiro passo.
O passado não muda. O presente sim.
O passado fica em paz quando o presente muda.
Tal como quando resolvemos nos afastar de uma pessoa que nos faz mal.
O que ela já nos fez, não muda, nós é que mudamos.
Para essa pessoa que nos fez danos, talvez seja um mínimo passo na direção de um dia compreender que, agindo assim, perderá os amigos. Talvez…
Nós mudamos graças ao que aprendemos com ela. Então ressignificamos: o mal recebido se transforma em aprendizado. Não apagamos o mal. Damos a ele um sentido.
Como sorte e azar podem ter a mesma face. Desgraça e graça também.
Eu particularmente penso que podemos cantar, queimar ervas, orar com ou sem rosário, acender incensos, velas, fazer altares, etc… e tudo isso ser apenas movimentos mecânicos baseados nas crenças e no medo.
Acho que algumas pessoas tem o dom de atuar com os mortos. Poucas. A maioria apenas sofre com e por causa deles.
O que eu tenho certeza é que: “o belo, uma vez visto, jamais é esquecido.”
Belo é uma experiência que nos transforma. É um insight. É esse contato com o grande Espírito, que temos por exemplo quando nos conectamos à natureza, quando cuidamos de um bebê, quando criamos algo que ajuda a alguém, quando crescemos por meio de alguma adversidade, quando pedimos e recebemos ajuda, quando nos superamos.
O mal, uma vez reconhecido numa constelação, nos leva a um primeiro passo de consciência. Mas precisa muita humildade para ver o que ali aparece. Por exemplo, nossa soberba, nosso orgulho, nossa extrema carência, nossa ligação com mortos, nossas culpas, como estamos fora do lugar na família em papéis invertidos, como sufocamos ou somos sufocados por quem dizemos amar.
Saímos mais livres e cheios de energia de uma constelação do tipo do modelo final que Hellinger chegou.
Mas depois será necessário muito trabalho pessoal para sair deste lugar e evoluir para além deste padrão recorrente no nosso sistema familiar.
Enfim, o padre do rosário sistêmico fará muito sucesso. Orar é mais fácil. Culpar ou “salvar” os mortos também. Mudar é que é difícil.
(Silvana Garcia)
PS: As fotos abaixo são de Bert Hellinger jovem com os zulus e com um xamã no México no fim de sua riquíssima vida.