Diz Hellinger: Existe uma fúria que não é maldosa, nem sarcástica, atua inclusive como a capacidade de negociar estrategicamente. Exige longa disciplina e esforço.
Como uma prática de defesa pessoal que você usa o movimento de ataque do outro para que, com a mesma força que ele veio, ele caia. Sim, o que se defende usou a força, mas não atacou o adversário. É bem diferente.
O que vemos hoje em dia? Fúria pela simples fúria, ataque pelo simples ataque. Não vemos pessoas mostrando seu valor e sua capacidade de negociar estrategicamente. O contrário: conchavos e alianças improváveis. Vemos pessoas se matando por ideologias em defesa de mocinhos e bandidos, como se a vida fosse um faroeste.
Sinceramente, está mais para Sexta-feira,13.
Como seria olhar sistemicamente para tudo isso?
Cada líder traz consigo muitos excluídos que precisam ser vistos e reconhecidos. As vítimas precisam ficar enterradas lado a lado com seus algozes. Se atraíram tristemente. Quando há uma luta, a vítima morre e o que matou fica vivo mais um tempo, mas carrega o peso do dano e seus descendentes também. O mesmo sofrimento segue com os descendentes das vítimas que não receberam seu lugar. Elas sofreram e morreram e seus descendentes, ao invés de honrá-las, sofrem como elas ou se tornam piores que os verdugos de outrora que causaram tanto mal a seus ancestrais, quando vingam-se.
Desde 2015 tenho assistido, realizado e participado de constelações com temas políticos. Vi Hellinger, constelando ao vivo algo que estava acontecendo na Argélia naquela época. Quando um grupo pequeno de pessoas representam algo que lhes toca, elas são o microcosmo do macrocosmo. Como espelho, refletem o que ocorre lá fora. Isso com representantes centrados que não sabem a quem representam. Aí sim, podemos confiar. Então sempre sabemos o que está por trás. Não o que vai acontecer, mas o como está acontecendo e podemos inferir os desdobramentos disso. Toda constelação é um movimento de cura. Não atende os desejos de ninguém, mas quando os representantes se deixam mover livremente, naturalmente o movimento no caminho da solução se mostra e reverbera para todos muito além dos que estão ali presentes.
Cada líder que chega, traz excluídos para serem vistos. As vítimas que precisam ser respeitadas. Os perpetradores que precisam ser reconhecidos e colocados ao lado de suas vítimas. Os descendentes sentem um alívio com isso. Não porque deixam no passado o que não lhes pertence, porque é óbvio que pertence a eles sim, mas porque vêm e aprendem. A compensação de danos segue com eles. A genética também.
Quando um leão ataca uma gazela que está mais fraca ou mais distraída do bando, ele é mal? Não. Sacia sua fome. E a gazela, é estúpida? Não. Está na sua natureza.
Com os humanos, o que muda? Quando uma mulher se une a um homem abusivo, por exemplo, ela é a gazela? Não, mas está desatenta. Ao viver com o “leão”, aprende o que é a fome do outro. É comida um pouco por dia, uma hora, aprende a identificar o perigo e correr. Ela precisa ajuda, é claro. E o homem abusivo? Precisa se redimir, afinal aprendeu que fica só no final, então precisa mudar. Se a agressão foi violenta demais, precisa se redimir na sociedade arcando com os custos disso tudo. Se ele mata a mulher, pior ainda. Ele não terá mais paz, isso se não for um psicopata. Aí entra a justiça dos homens. Mas a compensação sistêmica segue adiante nos descendentes. Não adianta ver só o homem preso e achar que a justiça foi feita, precisa compreender que aquela atração entre ambos de algum modo envolveu aos dois. Precisa o aprendizado tanto para os ancestrais, como para os descendentes de ambos. A vítima não aprendeu a tempo de correr e o perpetrador não aprendeu a tempo de parar.
O que isso significa num contexto político? Suponha que um dos candidatos traga as vítimas de um evento infeliz e traumático para a nação. Por exemplo, o enforcamento de Tiradentes. Era um revolucionário. Não sei se era agressivo, não sei se era sonhador, mas acabou como a gazela. A história contada nos livros nunca será muito real, dado que os que escrevem e selecionam livros colocam seus pontos de vista a partir de seus interesses.
E o outro candidato pode trazer os soldados que, a mando do rei, executaram ordens, inclusive pisoteando a turba enfurecida. Eles também, mesmo sendo parte deste povo, estavam sobre os cavalos na sua função. Eram os “leões”? Como executar tais ordens sem se tornar violento? Quem era mais violento? Aquele que queria libertar os seus ou o que queria defender os seus? Difícil responder.
Como isso nos toca hoje? Como podemos parar de repetir padrões? Colocando juntos vítimas e perpetradores no coração. Chorando as vítimas e deixando que os perpetradores pertençam, sabendo que os carregamos ainda dentro de nós, descendentes de todos eles pela miscigenação.
O que podemos fazer na prática? Aprender com o passado.
Deixar de ser gazela “brisando” e saber usar a fúria sem maldade.
Não ser sarcástico com aquele que tem opinião diferente da sua. Cortar sem pena de suas redes sociais quem o ataca ou ataca veemente os políticos. Conversar com educação sobre todos os temas que deveriam interessar a todos brasileiros, sem tomar partido político ou ideológico como bandeira de futebol ou escola de samba. Isso sempre dá errado, vejam quantas vezes são juízes sem escrúpulos que decidem os “vencedores”. Nunca entrar em movimentos que tentam excluir alguém por capricho ou cegueira.
Seja lá quem estiver no poder, respeitar e olhar o que ele traz que ainda precisa ser visto. Os pisoteados pelos cavalos revoltados com o enforcamento de Tiradentes ou os soldados que cumpriam sua amarga função a mando do rei. Sinceramente, qual lado era bom naquela época? Morrer como herói ou ficar vivo carregando a culpa? Isso vale para as vítimas de todas as guerras e os vencedores.
Quem, de fato, vence sempre, quando um cai e outro se levanta acima deste? Quais interesses ocultos estão por trás disso tudo? Sempre alguém ganha quando pessoas e países ascendem ou caem em declínio. E, até hoje, essas pessoas não aparecem.
É tudo um grande pão e circo. Jogam alguns aos leões como se tivesse resolvido, mas nada foi até hoje, desde antes de Cristo. Repetimos e repetimos exaustivamente a mesma história.
Quando evoluíremos, afinal?
(Silvana Garcia)