Em geral, quem cuida de pais idosos? Uma filha. O que está por trás disso? No lugar de quem está esta filha? Está no lugar dos pais, em geral da mãe deste idoso que ela cuida. Portanto, está no lugar de sua avó e pode ser que morra antes. Está fora de seu lugar. No lugar de alguém que não pôde ou conseguiu cuidar daquele idoso quando ele era criança. Ele segue na vida buscando o afeto que lhe faltou. Na velhice, na doença se entrega como um bebê (quase um bebê elefante) dando muito trabalho àquele filho ou filha que fica neste lugar, às vezes, uma nora ou genro. Uma pessoa bem resolvida, feliz, dificilmente cai neste lugar de cuidador, nem no lugar de ser cuidado. Vive a vida, não dá “sopa para o azar”. Não está disponível. Se não casou, adotou projetos e realiza o que faz bem a si e a outros. Não adota idoso no lugar de filho brincando de mamãe.
Isso não significa abandonar idoso. Significa que o respeita tanto a ponto de libertá-lo para seu destino. Que ama os irmãos a ponto de não os poupar de decisões difíceis em prol deste idoso. Que respeita os profissionais desta área a ponto de confiar neles para estes cuidados que, eles sim, estudaram para atuar. Se não tem dinheiro para este cuidado profissional, cria uma creche de idosos na comunidade e une forças e revezamentos. Não cai na cilada da culpa e da soberba do “Só eu amo” ou “Só eu dou conta”. Não se apega e usa o idoso como tábua de salvação para sua própria carência afetiva. Não há nada nobre por trás deste tipo de atitude, só uma culpa bem sugestionada pelos mais velhos que pregam: “Quem ama cuida”. E nisso, esta filha será uma cuidadora morto. Um herói posto.
Se na definição de amor não entrar as palavras respeito e liberdade, não é amor.
Se há união dos irmãos, se eles estão na vida, se há dinheiro, significa que, em vida, aquele idoso fez seu melhor para uma vida digna para si e seus herdeiros. Ele mesmo não quer dar trabalho. E aí na condição que estiver, não dá.
Se o filho não teve esta “sorte”, mas aprendeu e buscou por si mesmo, continuará buscando na política social, na sociedade as formas de resolver tal situação.
O filho que ama, respeita e liberta seus pais para o destino deles.
Pais que amam seus filhos cuidam para que eles aprendam a voar. Filhos que amam seus pais, libertam para que eles possam voar quando chegar seu momento. Não os “congelam” esperando que sejam eternos pelo seu próprio medo da solidão.
As pesquisas revelam que cuidadores podem morrer até quatro anos antes daqueles que cuidam. Isso só revela o óbvio do ponto de vista sistêmico: os pais são os grandes, os filhos, os pequenos. Não há “perdão” para quem quer se colocar no lugar de superior. Um filho amoroso e respeitoso não “cuida” por culpa. Não se acaba nesta tarefa. Não a faz sozinho cheio de “boas intenções”. Em primeiro lugar respeita o que este idoso que caiu nesta condição precisa, não o que ele, filho, quer ou acha que é melhor. Há muitas pesquisas e ajuda terapêutica séria. Resolve em conjunto com outros o que é melhor para o idoso, não para si mesmo. Um idoso necessitado é frágil como uma criança. Ele não precisa só de afeto. Isso é o mínimo. Precisa de cuidados. Muitos. Mais que uma criança. Precisa que todos respeitem seu destino, sua força por trás da fragilidade da idade para suportar tudo como foi e ainda é.
Toda doença é uma oportunidade de aprendizado. Não é culpa de ninguém ficar doente, velho, oneroso. É uma fatalidade de uma vida inconsciente.
Se isso aconteceu com seus pais e gerou uma crise na sua família, é o último grande aprendizado que estes pais estão dando aos filhos: unam-se, sejam criativos, abram suas mentes, seus corações, mudem tudo para adaptar -se a uma nova realidade, amem ainda mais, mas principalmente mudem sua vida enquanto é tempo para quebrar este padrão de sofrimento.
(Silvana Garcia)