Ao fazer uma meditação para as boas vindas ao novo ano, tive a intuição de Yemanjá mostrando pérolas e dizendo: As virtudes são as pérolas que a vida proporciona, a sabedoria que vem a partir da necessidade. Então muitas lembranças ocorreram instantaneamente. Lembrei de como lia “O livro das virtudes” aos meus filhos, da beleza das pérolas que sempre me encantaram e de como gostaria de desenvolver um trabalho que realmente fosse belo e útil a todos. As ideias foram brotando, tomando forma com a pesquisa e eis aqui o primeiro texto.
Areté é a deusa grega da Virtude. Mas esta história contarei mais pra frente. Conhecimento vem dos mestres e cresce quando compartilhado. Sabedoria é individual, mas se constrói em companhia.
Que seja agradável e útil a quem busca o melhor para si e ao próximo!
Comecemos com as pérolas:
O psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves publicou em 2008 a crônica, em forma de livro, “Ostra feliz não faz pérola”:
“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos -, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.
Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…”. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro de sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas asperezas, arestas e pontas, bastava para envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.
Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou-a e deu-a de presente para a sua esposa.”
Explica Rubem Alves: A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: ‘Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…’ Assim como ostras felizes não fazem pérolas, pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor.”
Para me livrar da dor, crio.
(Silvana Garcia)